Um breve passeio no multiverso da loucura
Photo by Monique Carrati on Unsplash
Esta é uma história real. Aconteceu num domingo.
Começa comigo caminhando pela Livraria Cultura do Conjunto Nacional, observando os livros e me perguntando se aquele lugar um dia deixaria de existir. Em certo momento, prestando atenção na fresta de uma estante, na lacuna entre dois livros, mal posso acreditar em meus olhos. Lá está o Dr. Estranho!
É o próprio: capa vermelha, uniforme azul e cavanhaque. No entanto, aquele Dr. Estranho era um pouco diferente do Benedict Cumberbatch.
Primeiro que ele não era gringo. Segundo que parecia muito mais jovem, talvez uns 19 anos. Também não tinha a altura ou o físico do famoso ator inglês. Mas aquele devia ser o Dr. Estranho do nosso multiverso, que andava pela livraria junto com um grupo de amigos segurando copos tematizados da Marvel.
Aproveitando que eu já estava no Conjunto Nacional, fui até o Cine Marquise e peguei a sessão das 13h do “Dr. Estranho no Multiverso da Loucura”. Fiquei desapontado.
O título dá a entender que a história seria completamente doida, aleatória, mas senti que o filme não explorou seu potencial. Achei que faltou o tal do “multiverso da loucura”. Foi muito comedido, engessado. Eu queria mesmo era ver um nonsense sem limites.
Saí decepcionado do cinema e fui caminhar pela Paulista. Como era domingo, a avenida estava fechada e tomada por uma multidão que eu não via desde o carnaval de 2020. Vi ciclistas, um grupo de patinete, outro de patins, monociclo elétrico, skate, todos acelerando pelas ciclovias.
A música então era uma mistura de coisas no ar. Você caminha e vê um cara num violão tocando Alceu Valença pelos alto-falantes. Um pouco mais a frente, um sujeito com um violoncelo fazendo um cover de “See You Again” do Wiz Khalifa. De repente, sem o menor aviso, passa um grupo de devotos do Hare Krishna entoando um mantra.
Na calçada do Trianon, barracas de feira vendendo pastéis, guioza, bijuterias, porcelanato, artesanato, estátuas vivas do Jason, um gladiador, uma menina fazendo cosplay de One Piece. Espera, o que é aquilo?
Pessoas param em frente de um cara fazendo hipnose no vão do Masp. “Venha ser hipnotizado!”. Vizinho dele, um artista com uma placa dizendo que faz uma caricatura sua. Só 15 reais o desenho. Sem falar do Michael Jackson, vi uns dois naquele dia.
Famílias, senhoras perdidas, jovens, ateus, cristãos, budistas, funkeiros, tiozões, protestos de esquerda e direita, livros usados para venda, selfies, alguém ainda caçando Pokémon no celular, fila pra comprar sorvete, Slash tocando “Sweet Child O' Mine”, fila pra entrar na Japan House, uma mini rave com música eletrônica perto de uma farmácia, um poeta vendendo seu livro.
Toda a loucura desenfreada que eu queria do filme do Dr. Estranho encontrei ali.
O verdadeiro multiverso da loucura não está no cinema, está muito mais acessível: basta caminhar pela Avenida Paulista de domingo (recomendo em especial aos produtores da Marvel, quem sabe dê inspiração para filmes melhores).
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